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3 horas para amar
2013
Data: / Duração: 00:54:00
Sinopse:
O tempo é fator determinante no interior do estabelecimento prisional. Todos os dias as rotinas se repetem. As celas abrem às 8:00 e as reclusas saem, algumas vão trabalhar outras ficam no pátio. O dia decorre entre atividades do quotidiano e confissões. Quatro reclusas falam-nos da sua vida, da vida que tinham “lá fora” e da que têm cá dentro, daqueles que deixaram e dos familiares com quem continuam a ter uma relação.
Os maridos, os companheiros, as mães, as filhas são os elos de ligação com “a rua”. Uma reclusa esconde das filhas que está presa, outra entrou grávida e quando a criança completou dois anos decidiu separar-se dela.
São histórias de vidas duras e sofridas, mas também de amor e desamor, de afetos e carícias. Uma vez por mês, durante três horas, as reclusas abrangidas pelo regime de Visitas Íntimas conseguem “evadir-se” da prisão e sentirem-se de novo mulheres.
Duas realizam-se plenamente através desse momento, uma pediu cancelamento das visitas íntimas porque percebeu que já não estava apaixonada pelo marido, outra teme a “primeira vez” porque não tem relações sexuais há seis anos.
Em qualquer dos casos, para estas mulheres a Visita Íntima é muito mais do que um momento sexual, é uma oportunidade para retomar os laços de afecto e convivência com a vida lá fora.
Argumento:
Oito horas em ponto. As portas das celas do EPE de Santa Cruz do Bispo começam a abrir. As reclusas saem das celas e juntam-se na ala para mais um dia de rotinas.
Maria José Mendes trabalha na oficina de costura. A reclusa considera que o tempo do cárcere não é muito diferente do tempo “da rua”, mas diz que é preciso haver uma força interior muito grande para conseguir lidar com a reclusão e para aguentar a Saudade. O cigarro é uma forma de “matar” o tempo. Maria José sente que a prisão era inevitável, que a toxicodependência não a poderia levar a outro caminho.
Na oficina de Artes, a reclusa número 27 pinta uma caixa de madeira de cor-de-rosa num mundo pouco cor-de-rosa. A vida na prisão é monótona, por isso entrega-se a várias actividades, para “não pensar”.
Sente a falta das filhas. Optou por não lhes contar que está presa. O marido continua a trabalhar e a cuidar delas e diz-lhes que a mãe está internada com um problema de saúde. “É isso que me custa mais, é a falta das minhas filhas”.
Patrícia Machado, também foi mãe duas vezes. Trabalha na oficina de sapatos onde os cose à mão. Quando entrou pensava muito no tempo “lá fora”, nas rotinas do quotidiano com as filhas e isso dificultava-lhe a passagem do tempo, mas que agora que se centrou no tempo do interior sente-o menos doloroso.
Entrou grávida. Inicialmente pensou abortar mas depois de conhecer as condições do EPESCB decidiu prosseguir com a gravidez. Sempre fez questão que a filha, Joyce, conhecesse a vida na rua e que a avó materna a levasse a passar temporadas com a família. Aos dois anos, o encerramento das celas tornou-se um momento dramático para a filha que não queria estar fechada. Foi uma decisão difícil, mas Patrícia concluiu que a filha não tinha de pagar pelos seus erros e entregou-a aos cuidados da avó.
A vida prossegue no EPE de Santa Cruz do Bispo e após o jantar chega o momento de encerrar as celas. Anoitece.
Com o nascer do dia repetem-se as rotinas. Mais um dia. As reclusas limpam o edifício, Patrícia fuma um cigarro. Cometeu vários crimes, alguns violentos, e respondeu a vários processos. Ainda lhe falta um julgamento para depois receber um cúmulo jurídico. A soma das várias penas perfaz 44 anos de prisão. Patrícia sabe que o máximo em Portugal são 25 anos e acredita que o cúmulo ainda lhe vai baixar a pena.
Fala com a mãe ao telefone e pergunta “pelas meninas”. Saber das filhas é uma preocupação constante. Despede-se até ao próximo telefonema com “até amanhã”.
Outra reclusa fala também ao telefone. Anuncia ao marido que o pedido de Visita Íntima foi aceite pela DGSP. Frisa bem o dia para não haver esquecimentos ou confusões – dia 27 de março. Faltam dois meses para a visita se consumar. A reclusa queixa-se da espera mas logo desvaloriza: “quem já esperou cinco anos pode esperar mais dois meses”. Elisabete Resende congratula-se com a notícia e caracteriza este momento como “o dia mais feliz desde que estou aqui dentro”.
A reclusa 27 foi uma das primeiras mulheres do EPESCB a ter direito à Visita Íntima. Esta mulher assegura que durante o período da visita consegue “evadir-se” e retornar um pouco ao dia-a-dia lá fora. A reclusa dirige-se ao pátio e alimenta as pombas, símbolo de liberdade e sonho, de uma liberdade inalcançável.
Maria José Mendes diz que no início ia para a Visita Íntima desconfiada. Não acreditava que estava realmente sozinha com o marido, sem estar a ser vigiada. Depois foi-se habituando e hoje a visita do companheiro permite-lhe sorrir.
A reclusa dá grande importância à parte afetiva e conta de forma expressiva o abraço forte quando se veem e o momento da separação, quando chega ao fim o período de três horas. A Visita Íntima é também um momento para conversar e trocar afetos, muito para além da relação sexual. Como o companheiro está preso, o casal comunica sobretudo através de cartas. Maria José guarda centenas de cartas com a mesma devoção que as lê.
Patrícia Machado pediu admissão ao RVI porque sentia que estava a separar-se do marido e acreditou que o contacto físico poderia salvar o casamento. Nas primeiras visitas tentou convencer-se de que iria apaixonar-se outra vez, mas depois percebeu que não valia a pena enganar-se: desistiu das Visitas Íntimas e fez o pedido de divórcio.
A vida de Patrícia continua dentro do EP. A reclusa lava a roupa no tanque, como faz todos os dias. Um avião sobrevoa o EPESCB. A roupa fica a secar durante a noite.
Quando amanhece a rotina é quebrada. Não se ouvem portas de celas a abrir, mas o som da água que corre no chuveiro. Alguém toma banho, há roupa lavada em cima da cama da cela. O chuveiro desliga-se. Elisabete penteia o cabelo ainda molhado e veste a roupa que escolheu cuidadosamente. Está nervosa, sente “o corpo fechado”. Depois de quase seis anos sem ter uma relação sexual teme que seja doloroso, quase como se fosse “a primeira vez”, mas está ansiosa para o grande momento.
A guarda vem buscar Elisabete e encaminha-a para o quarto de Visitas Íntimas. O percurso é longo, como se fosse necessário ultrapassar vários obstáculos para lá chegar: subir escadas, passar gradeamentos, percorrer corredores, entrar em portas… finalmente a reclusa entra na porta do quarto da Visita Íntima e é fechada, alcançando “3 Horas para Amar”.
- Ficha técnica
Argumento, produção e realização: Patrícia Nogueira
Intervenientes: Maria José Mendes, Reclusa número 27, Patrícia Machado, Elisabete Resende
Site Oficial: www.facebook.com/3HorasParaAmar
Estúdio: DAI, ESMAE, IPP
Música: Bruno Ferreira
Fotografia: Jorge Lopes com Rui Flórido
Som Direto: Telmo D. Moreira com Miguel Silva
Pós-produção Áudio: Pedro Jorge
Edição: Patrícia Nogueira com Francisco Carvalho
Patrícia Nogueira
(Porto, Portugal) Gosta de contar histórias. Fá-lo com imagens e sons ou simplesmente com palavras. Já passou pela ficção, em curtas e longas-metragens de Cinema, mas a realidade e os factos são a sua matéria-prima de eleição. O Cinema Documental foi a forma que encontrou para se expressar sobre o mundo que a rodeia e as suas inquietações pessoais. O seu principal interesse são as pessoas. É através de uma relação de alteridade, sem pressas, que ela tenta conhecê-las, compreendê-las, antes de as representar.
Patrícia é doutoranda em Media Digitais do Programa UT Austin-Portugal e bolseira da Fundação para a Ciência e Tecnologia, investigando documentário interactivo em parceria com o National Film Board do Canadá. É também mestre em Cinema Documental pela Escola Superior de Música e Artes do Espectáculo, onde leciona documentário, e licenciada pela Escola Superior de Jornalismo do Porto.
A vida e o trabalho já a levaram a viver em Paris, Lisboa, Vancouver e Austin, mas é ao Porto, a cidade onde nasceu, que gosta sempre de regressar.