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Festa, trabalho e pão em Grijó de Parada
1973
Data: / Duração: 00:33:47
Um dos primeiros olhares cinematográficos sobre a região transmontana. Do careto e da festa popular à realidade quotidiana.
A Limpidez do Olhar
Uma vez mais o careto, a máscara das festividades populares, tradicionais em Trás-os-Montes, a empurrar para o epicentro nordestino uma equipa de cinema. Não “uma vez mais”, sim a primeira vez, pois a obra de Manuel Costa e Silva foi a primeira, embora por causa da sua ocultação nos últimos tempos se dê maior destaque e quantas vezes referência única ao filme de Noémia Delgado intitulado Máscaras.
Da reflexão exigente em torno da primeira imagem do carreto, e da festa isolada dos outros viveres daquele povo, partiu-se para a indagação sobre a forma como passavam os tempos para lá de esporádicos folguedos – as horas do trabalho até ao almejado pão. Dispôs-se, assim, de um projecto elaborado com “o cuidado de não trair, com a recusa da tentação demagógica ou meramente estética (…)”, como afirmaram Manuel Costa e Silva e ainda Fernando Lopes e Vítor Silva Tavares num texto dado à estampa na inesquecível revista Cinéfilo, em Janeiro de 1974. As rodagens tiveram lugar em 1973, portanto, e de cada vez que as discussões entre os três amigos se desencadearam à mesa de montagem, deu-se a necessidade de alicerçar a obra com os três vectores que deram título ao filme.
A existência de Festa, Trabalho e Pão em Grijó de Parada determina uma etapa nova no cinema português e, dentro dele, entre as obras do chamado Cinema Novo e na prática do Centro Português de Cinema, onde Fernando Lopes e Manuel Costa e Silva militavam junto com outros cineastas, nesses anos de arranque de obras inovadoras que lutavam contra o habitual marasmo reaccionário que imperava no cinema nacional. Ultrapassado o mote inicial dado pelas impressionantes e expressivas máscaras dos caretos, à terceira fase de filmagens foi descoberto o elemento nuclear: o pão, cujas sequências viriam a fornecer o ritmo do filme. A gestualidade, também em certa medida ritualista, do labor no trato da terra é filmado como raras vezes se fez, podendo dizer-se que, se Costa e Silva teve que confrontar-se com circunstâncias materiais, e também com a descoberta de novos dados locais, que ditaram opções diversas das que inicialmente teriam sido previstas, nunca abandonou o ponto de vista com que se predispôs a filmar, muito menos o respeito com que captou a vivência da comunidade, que estava pela primeira vez diante de uma câmara e perante uma equipa que no início lhe era estranha.
Reagindo a algumas reticências sobre a natureza das relações que se estabelecem entre um registo fílmico e o objeto filmado, Manuel Costa e Silva afirma, em entrevista dada a João Lopes: “Parece-me que este filme é bastante verdadeiro. Aquela câmara tentou transplantar aquela realidade. Parece-me uma câmara muito honesta: não recorri a subterfúgios de iluminação, não recorri a truques cinematográficos [MCS era um grande diretor de fotografia, sabia as fórmulas de embelezar e criar impactos e novos “cenários”, n.a.]. Grijó… é um filme de cinema pobre. Mesmo a não uniformidade da fotografia tem a ver com isso: tudo o que era festa, filmei a cores, e a preto e branco tudo o que era esforço, trabalho, dureza e sobrevivência.”
Do primeiro momento de preparação até “ao resultado que se mostra em filme vai a descoberta de um povo e da sua labuta quotidiana”, (do texto do Cinéfilo), numa espantosa lição, ainda hoje, quanto mais naquele tempo em que simplesmente falar de povo era caso de reprovação, sobressalto e dissabores. Tomemos uma lição dupla: a do trabalho cinematográfico, técnico, e a da arquitectura de apresentação do labor camponês, como nunca tinha sido dado a ver em Portugal, falando de portugueses. Destinado a ser apresentado a portugueses. E o que mais nos fica na memória é a forma digna com que isso se faz, com uma naturalidade crua e ao mesmo tempo respeitadora, criando através do cinema o desígnio de talhar o retrato verdadeiro de um povo demasiado constrangido ao olvido e à frequente humilhação.
Festa, Trabalho e Pão em Grijó de Parada não é apenas um olhar antropológico sobre os afazeres e rituais de uma comunidade, é uma “atitude” que enaltece o trabalho e a vida comum.
António Loja Neves
- Ficha técnica
Realizador: Manuel Costa e Silva
Argumento: Manuel Costa e Silva
Produção: Instituto de Tecnologia Educativa
Diretor de produção: Miguel Cardoso
Fotografia: Manuel Costa e Silva
Montagem: Fernando Lopes e Helena Baptista
Diretor de som: Francisco Rebelo
Duração: 35’
Formato: 35 mm cor
Manuel Costa e Silva
Manuel Costa e Silva (1938-1999), concluiu em Portugal o ensino secundário e depois foi para a Austrália (1957) onde frequentou um curso de engenharia mecânica. Mudou-se para Paris em 1959, inscrevendo-se como aluno na escola oficial de cinema, o IDHEC. Obteve uma bolsa do Fundo de Cinema – organismo criado pelo Estado Novo, destinado a financiar o cinema português – o que lhe permitiu prosseguir os estudos em França.
Inicia a actividade profissional no cinema como operador de câmara, fazendo vários trabalhos de reportagem. Prossegue a sua actividade profissional como assistente de imagem e torna-se depois director de fotografia. Começa como operador de câmara, na reportagem. Seguidamente trabalha como primeiro assistente de imagem e mais tarde como director de fotografia. Entre 1963 e 1964 é assistente de realização em três filmes realizados na Suécia. De volta a Portugal, trabalha nas empresas Tobis Portuguesa, Média Filmes, Unifilme e na cooperativa Centro Português de Cinema, sendo um dos seus fundadores. Escreve artigos (1962-1965) para revistas especializadas como Filme, Celulóide, Plano e para a revista sueca Chaplin. Desenvolve também a sua actividade profissional como assistente de produção, assistente de realização, director de produção e como produtor executivo.
É bolseiro da Fundação Calouste Gulbenkian em 1967 para fazer uma visita de estudo aos E.U.A. a fim de adquirir conhecimentos sobre técnicas de cinema e visitar estúdios e laboratórios. Entre 1969 e 1974 dirige a Secção de Cinema e os Serviços de Produção do Instituto de Tecnologia Educativa. Integra a direcção do Festival Internacional de Cinema de Tróia (1985-86) e lecciona como professor de fotografia no Conservatório Nacional (Escola Superior de Teatro e Cinema). Durante vários anos é responsável pelos Encontros Internacionais do Cinema Documental, no Centro Cultural da Malaposta.
É autor de alguns livros de carácter didáctico sobre cinema e de iniciativas culturais de divulgação de obras cinematográficas.
Fonte: Wikipédia